- Isabel Sangali
SP: venda e compra - ex companheiros - união estável - mancomunhão - partilha - continuidade
Lá vem a mancomunhão novamente!!!!
1VRPSP
PROCESSO: 1046938-95.2021.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 07/06/2021 DATA DJ: 09/06/2021
UNIDADE: 10
RELATOR: Vivian Labruna Catapani
JURISPRUDÊNCIA: Indefinido
ESPECIALIDADES: Registro de Imóveis
Escritura de compra e venda . União estável - dissolução. Condomínio. Mancomunhão. Continuidade.
íntegra
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - COMARCA DE SÃO PAULO - FORO CENTRAL CÍVEL - 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS
Processo Digital nº: 1046938-95.2021.8.26.0100 Classe - Assunto Dúvida - Registro de Imóveis Requerente: Marcelo Somlanyi Romeiro Requerido: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por Marcelo Somlanyi Romeiro em face do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, em razão da negativa de registro de escritura de compra e venda referente ao imóvel objeto da matrícula n. 3.899, por meio da qual o interessado adquire 50% do imóvel de sua ex-companheira, após a dissolução de união estável.
Aduz o interessado que, no R. 14 da matrícula em questão, já há clara divisão do quinhão condominial entre as partes (50% para cada). Afirma, assim, que havia condomínio do bem com partes certas e determinadas, não havendo que se exigir a partilha do bem para o registro da escritura. Nesses termos, requer o afastamento do óbice registrário e junta documentos (fls. 4/60).
O Oficial Registrador prestou informações às fls. 66/68. Informa que, por ocasião da dissolução da união estável, não houve partilha do bem, havendo mancomunhão. Dessa forma, esclarece que, antes do registro da escritura de compra e venda, faz-se necessário o registro da partilha do bem entre os ex-companheiros.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 75/77), com a manutenção do óbice registrário.
É o relatório.
Decido.
Com razão o Oficial Registrador e o Promotor de Justiça.
O ingresso de título ao fólio real depende da observância dos preceitos registrários, com especial destaque, no caso, ao princípio da continuidade.
Conforme previsto nos arts. 195 e 237 da Lei nº 6.015/73:
"Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro." "Art. 237 Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro."
Como se nota, segundo tal princípio, deve haver um encadeamento entre os registros na matrícula ou transcrição do imóvel, de modo que determinado direito só pode ser alienado ou transferido caso seu titular dele tenha disponibilidade, assim constatado no fólio registral, a fim de evitar que qualquer pessoa transmita a terceiros mais direitos do que possui.
No caso em tela, o bem em questão foi adquirido, em 2008, pelo interessado e sua ex-companheira, Natacha Gonçalves da Costa, que, qualificados na ocasião como solteiros, viviam em união estável. Isso porque, conforme se extrai das peças referentes à ação de dissolução de união estável, datadas de 2020, o casal vivia em comunhão estável há aproximadamente 15 anos (fls. 4/25).
Sabe-se que à união estável aplica-se, em regra geral, o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC), no qual os bens adquiridos pelos companheiros passam a integrar o patrimônio comum do casal.
Assim, em que pese tenha constado do registro da aquisição o percentual de 50% para cada adquirente (R. 14), o imóvel, na realidade, passou a ser patrimônio comum do casal.
E, com a dissolução da união estável, verifica-se que não houve partilha do bem imóvel, conforme documento de fl. 7, segundo o qual "o imóvel do casal será partilhado oportunamente pela via extrajudicial, de modo que as partes continuam em condomínio".
Em que pese tenha sido ressalvada a permanência de condomínio, o bem, na realidade, permaneceu em mancomunhão.
Tal questão foi objeto de decisão pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"1. Rompida a sociedade conjugal sem a imediata partilha do patrimônio comum, ou como ocorreu na espécie, com um acordo prévio sobre os bens a serem partilhados, verifica-se- apesar da oposição do recorrente quanto a incidência do instituto - a ocorrência de mancomunhão. 2. Nessas circunstâncias, não se fala em metades ideais, pois o que se constara é a existência de verdadeira unidade patrimonial, fechada, e que dá acesso a ambos ex cônjuges, à totalidade dos bens" (RESP nº 1.537.107/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJE. 25.11.2016).
Conclui-se que, sem a apresentação da partilha dos bens do casal, não há como averiguar se houve a partilha igualitária dos bens, continuando o acervo patrimonial em sua totalidade à disposição de ambos os cônjuges.
Logo, a fim de se preservar o princípio da continuidade e da segurança jurídica que dos registros públicos se espera, entendo correto o óbice imposto pelo Registrador, devendo haver o prévio registro da partilha do bem, de modo a se prever a fração ideal atribuída a cada um dos ex-companheiros.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida, com manutenção do óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 07 de junho de 2021.
Vivian Labruna Catapani Juíza de direito
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