A Lei nº 13.476/17 e a garantia "guarda-chuva"
Com o advento da Lei nº 13.476, de 28 de agosto de 2017, muito se tem falado sobre a modalidade de garantia denominada “guarda-chuva” (contratos umbrella).
Para a atividade registral, os artigos 3º, 4º, 6º, 7º e 9º, da referida lei, revelam-se de extrema importância e são de leitura obrigatória, em especial, por alterarem a aplicação da Lei nº 9.514/97 e dispositivos de outras leis, no tocante ao registro de garantias.
Ademais, compete ressaltar que a Lei nº 13.476/17 apresenta algumas regras nitidamente específicas, aplicáveis, por exemplo, apenas aos contratos de abertura de limite de crédito (aqueles contratos em que a instituição financeira disponibiliza um crédito ao cliente até certo valor/limite; crédito rotativo).
Em outras palavras, pode-se asseverar que há regras de exclusiva aplicação aos casos de contratação de abertura de limite de crédito, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. Para outras situações, a Lei nº 13.476/17 não se aplica.
Superada tal questão, pode-se destacar três temáticas essenciais à atividade registral, quais sejam:
1 - a inaplicabilidade dos requisitos legais indicados nos incisos I, II e III do caput do artigo 18 e incisos I, II e III do caput do artigo 24 da Lei no 9.514/97, e incisos I, II e III do artigo 1.362 e incisos I, II e III do artigo 1.424 da Lei no 10.406/02.
2 - a possibilidade das garantias constituídas no instrumento de abertura do limite de crédito servirem para assegurar todas as operações financeiras derivadas, independentemente de qualquer novo registro e/ou averbação adicional.
3 - assim como acontece nos consórcios, a previsão de que, se após a excussão das garantias constituídas no instrumento de abertura de limite de crédito, o produto resultante não bastar para quitação da dívida, o tomador e os prestadores de garantia continuarão obrigados pelo saldo devedor remanescente, não se aplicando, quando se tratar de alienação fiduciária de imóvel, o disposto nos §§ 5o e 6o do artigo 27 da Lei no 9.514/97.
Nesse sentido, a fim de pontuar esses relevantes aspectos da lei, cabe tecer alguns comentários, em especial, vinculados à garantia de alienação fiduciária:
- artigos 3º e 4º: há disposição acerca das contratações para as quais aplica-se a Lei nº 13.476/17, que são aquelas realizadas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, de abertura de limite de crédito, bem como as respectivas operações financeiras derivadas.
Outrossim, regula-se a matéria relativa aos requisitos mínimos desses contratos de abertura de limite de crédito, os quais poderão ser celebrados por instrumento público ou particular, com pessoa física ou pessoa jurídica, e tratará das condições para celebração das operações financeiras derivadas, pelas quais o credor fará os desembolsos do crédito ao tomador, observados o valor máximo previsto no contrato principal e seu prazo de vigência.
Os requisitos essenciais exigidos são: o valor total do limite de crédito aberto; o prazo de vigência; a forma de celebração das operações financeiras derivadas; as taxas mínima e máxima de juros que incidirão nas operações financeiras derivadas, cobradas de forma capitalizada ou não, e os demais encargos passíveis de cobrança por ocasião da realização das referidas operações financeiras derivadas; a descrição das garantias, reais e pessoais, com a previsão expressa de que as garantias constituídas abrangerão todas as operações financeiras derivadas, nos termos da abertura de limite de crédito, inclusive as dívidas futuras; e a previsão de que o inadimplemento de qualquer uma das operações faculta ao credor, independentemente de aviso ou interpelação judicial, considerar vencida antecipadamente as demais operações derivadas, tornando-se exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais.
- artigo 6º: este dispositivo determina que “... as garantias constituídas no instrumento de abertura do limite de crédito servirão para assegurar todas as operações financeiras derivadas, independentemente de qualquer novo registro e/ou averbação adicional...”.
Da leitura desse artigo, é possível extrair-se os fundamentos da denominação “guarda-chuva”, ou seja, se atendidos os limites globais de valor e prazo, a garantia abarca a operação principal, assim como as operações financeiras dela derivadas, automaticamente, sem necessidade de novos registros ou averbações.
Tornam-se desnecessários, para algumas hipóteses, os tão corriqueiros cancelamentos de garantias anteriores, novos registros de garantias ou averbações sucessivas de aditamentos, nas serventias imobiliárias. Quem tiver um limite de crédito aprovado, poderá ter desembolsos de valores diversos, até o limite máximo do crédito e respeitado o prazo de vigência do contrato.
E mais fundamental que isso é refletir sobre o fato de que o artigo 6º, certamente, irá impactar em algumas hipóteses nas quais, frequentemente, fazia-se a qualificação negativa de um título no Registro de Imóveis, sob a alegação de que caracterizada a novação.
Possivelmente, ocorrerá uma diminuição do número de devoluções de títulos, haja vista que algumas exigências não terão mais razão de existir, reduzindo-se eventual diversidade de interpretações que poderiam levar a entraves no registro. É o que se espera.
Contudo, isso não afasta a necessidade de uma análise própria de cada caso concreto, visto que a atividade da qualificação registral é essencial à garantia da legalidade e segurança jurídica.
- artigo 7º: é o artigo mais impactante, uma vez que torna inaplicáveis dispositivos legais de profundo reflexo na atividade registral.
As influências são inúmeras, seja na atividade de qualificação, seja porque pode atingir a redação dos atos de registro ou porque pode reverberar nos emolumentos e custas a serem exigidos pela prática do ato.
Nesse contexto, incumbirá analisar qual a melhor solução a ser tomada para tais casos, à luz da nova legislação, das leis já existentes e dos princípios registrais.
- artigo 9º: diz este artigo que “... se, após a excussão das garantias constituídas no instrumento de abertura de limite de crédito, o produto resultante não bastar para quitação da dívida decorrente das operações financeiras derivadas, acrescida das despesas de cobrança, judicial e extrajudicial, o tomador e os prestadores de garantia pessoal continuarão obrigados pelo saldo devedor remanescente, não se aplicando, quando se tratar de alienação fiduciária de imóvel, o disposto nos §§ 5o e 6o do art. 27 da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997...”.
Esta disposição legal é bem específica, de evidente aplicação apenas às contratações de abertura de limite de crédito.
Ela prevê que, na eventualidade do valor do imóvel não ser suficiente para saldar o total da dívida, em razão de inadimplência, não haverá quitação automática em favor do devedor, em virtude da consolidação da propriedade e leilões negativos. Nestes casos, não será expedido termo de quitação ao devedor.
De todo o exposto, espera-se que os efeitos da nova lei sejam positivos à atividade registral, bem como ao mercado e que, de certa maneira, incremente-se a segurança jurídica em diversos aspectos, mas sem deixar de facilitar também a formalização de operações financeiras.