SP:Procuração particular lavrada em Portugual não pode ser usada para lavratura de escritura pública
Processo 0019715-87.2021.8.26.0100
Pedido de Providências – 2ª Vara de Registros Públicos – VISTOS, Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de comunicação encaminhada pela E. Corregedoria Geral da Justiça, do interesse do Senhor R. F. C., que se insurge contra recusa pelo Senhor Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Subdistrito desta Capital, de Procuração Particular, autenticada, realizada em Portugal, para instrução de Escritura Pública de Inventário e Partilha. O Senhor Titular prestou esclarecimentos (fls. 11/26). Instado a se manifestar, o Senhor Representante quedou-se inerte (fls. 28). O Ministério Público ofertou parecer opinando pelo arquivamento do feito, ante a inexistência de indícios de falha na prestação do serviço por parte da serventia correicionada (fls. 32/34). É o breve relatório. Decido. Cuidam os autos de representação formulada pelo Senhor R. F. C. em face do Senhor Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Subdistrito desta Capital. Narrou o Senhor Representante que a serventia recusou Procuração realizada em Portugal, autenticada e apostilada, para instrução de Escritura Pública de Inventário e Partilha. A seu turno, o Senhor Titular veio aos autos para esclarecer que a normativa legal que recobre a matéria lavratura de Escritura Pública impede a aceitação da Procuração Particular. Nesse sentido, referiu que a citada procuração, a despeito do indicado pela parte, não se cuida de instrumento público, revestido das solenidades normativas, mas sim de instrumento particular autenticado, conforme certificado pelo próprio advogado que chancelou o termo. Pois bem. Pese embora compreensível a insurgência apresentada pelo Representante, verifico que assiste razão ao Senhor Oficial e Tabelião de Notas. Explico. O Artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro consagra a regra locus regit actum, aplicando-se à obrigação as leis do local na qual ela foi constituída. No entanto, o parágrafo primeiro do referido artigo traz clara exceção à norma geral. Assim, o §1º indica que, destinado o ato estrangeiro a produzir efeitos em território nacional (o que é o caso da referida procuração), e sendo esses efeitos dependentes de forma estabelecida por lei nacional (Escritura Pública), esta deve ser observada, admitindo-se eventuais peculiaridades da lei estrangeira quanto a requisitos extrínsecos do ato. Nessa senda, o artigo 982, caput, do Código Civil estabelece que o Inventário pode ser feito na via judicial, como praxe, e também na via extrajudicial, por meio de Escritura Pública. In verbis: Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Combinando-se o anterior item à intelecção do artigo 657, do mesmo diploma legal, que refere que a “outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado (…)”, depreende-se, então, a obrigatoriedade da representação por meio de Procuração Pública para a lavratura da Escritura Pública pretendida pelas partes interessadas. Com efeito, é a procuração pública o instrumento hábil a produzir os corretos e desejados efeitos no tocante à representação para a lavratura do ato que as partes desejam pactuar. Assim, os outorgantes não podem conferir poderes à outrem, para a realização do Inventário Extrajudicial pretendido, por meio de procuração particular, sob pena de invalidade do ato praticado e, portanto, acertada a recusa levantada pela serventia extrajudicial. Ainda, noutro turno, sabidamente, é função precípua do Tabelião garantir a plena mediação entre as partes e conferência de segurança jurídica a negócios realizados. Não diferente é o disposto nas Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, em seu Capítulo XVI, acerca da atividade notarial: 1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios. 1.1. Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento. Nesse sentido, igualmente acertada a recusa à Procuração Particular, que macularia o ato com grave vício de formação. No mais, cabe deduzir que, acaso a procuração estrangeira, tal qual efetuada, se revista de caráter de ato público, o Senhor Representante, que invoca tal eficiência, é o responsável por lhe dar comprovação, por analogia ao artigo 14, da LINDB, o que não foi feito. Finalmente, é de conhecimento público que Portugal dispõe de Notariado nos moldes Latino, sendo plenamente possível a lavratura de Procuração Pública frente a Notário. Por conseguinte, reputo satisfatórias as explicações ofertadas pelo Senhor Oficial e Tabelião, que fundamentou suficientemente a recusa, não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Ante a todo o exposto, mantenho o óbice apontado pelo Senhor Delegatário, devendo ser apresentada Procuração Pública para a realização do ato pretendido. Ciência ao Senhor Titular, ao Ministério Público e ao Representante, por email. Não menos importante, determino à z. Serventia Judicial que publique a presente decisão no DJE, uma vez que os fatos aqui relatados são de interesse da sociedade e as observações ora deduzidas contribuirão para a higidez do serviço público como um todo, resultando, como fim maior, no pleno atendimento do cidadão. Encaminhe-se cópia desta r. Sentença, bem como de fls. 11/26, 28 e 32/34, à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.I.C.
DJE/SP - 23 de agosto de 2021
Comments