Responsabilidade de notários e registradores: improbidade administrativa
Os notários e registradores também podem ser responsabilizados por atos de improbidade administrativa (Lei 8429/92). Condutas de improbidade são caracterizadas pela desonestidade e por atentarem contra a Administração Pública.
A Lei 8429/92 apresenta as espécies de atos de improbidade, que se resumem a: enriquecimento ilícito, causadores de prejuízo ao erário e contrários aos princípios da Administração Pública. Ainda, vale ressaltar que os atos de improbidade possuem natureza civil e não penal.
Confira a decisão a seguir:
PROCESSO Nº 2017/60977 (Processo de origem 0027731.58.2015.8.26.0482) - DJE DE 24.7.2017 (SP).
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – PERDA DE DELEGAÇÃO. Renúncia à delegação não impede o prosseguimento do procedimento administrativo, contanto que as faltas disciplinares apuradas tenham sido, em tese, praticadas ao tempo em que o investigado era Titular da Serventia. Havendo possibilidade de imposição da pena de perda de delegação, a suspensão do investigado, no curso do procedimento, dá-se por prazo indeterminado (art. 35, §1º da Lei 8935/94). Prescindível indicar expressamente, na portaria inaugural, a legislação que teria sido violada pelo investigado. A adoção do procedimento previsto no Código de Processo Penal, com concessão de prazo de 15 dias para defesa prévia do investigado, além de seu interrogatório somente depois de colhidas as demais provas, é-lhe mais benéfica que o traçado pela Lei Estadual 10.261/68, de modo que não causam nulidade. A intimação para apresentação de defesa e rol de testemunha, haja vista tratar-se de questão técnica, cuja prática não será desempenhada pessoalmente pelo próprio investigado, pode ser feita na pessoa de seu advogado. O Corregedor Permanente é o competente para processar e julgar falta administrativa supostamente perpetrada por Tabelião ou Registrador, não havendo que se falar em formação de comissão processante (art. 34 da Lei 8935/94). Conjunto probatório que evidencia prática de diversas faltas funcionais pelo investigado, incluindo falsidade ideológica, fraude fiscal e improbidade administrativa, além da tentativa de ludibriar os MM. Juízes Corregedores Permanentes, bem como esta E. Corregedoria Geral da Justiça - Subsunção às hipóteses dos arts. 31, I, II e V, c.c. 30, V, da Lei 8935/94 - Gravidade e variedade das violações que imporiam perda da delegação, não fosse a prévia renúncia – Pena de multa adequadamente imposta – Recurso desprovido.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Cuida-se de recurso interposto em face de r. sentença que impôs pena de multa ao ex-Titular do xº Tabelionato de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Presidente Prudente, pela prática de diversas infrações administrativas.
Sustentou o recorrente a nulidade do procedimento administrativo, por haver renunciado à delegação, previamente ao sentenciamento, o que obstaria a atividade correcional. Versou sobre o excesso de prazo da suspensão que lhe foi imposta, sem que sobreviesse decisão definitiva. Postulou a necessidade de menção dos dispositivos legais que, afrontados, teriam ensejado a presente investigação. Tratou da nulidade do procedimento aplicado, coincidente com o do Código de Processo Penal, em dissonância com a Lei Estadual 10.261/68. Defendeu a necessidade de sua intimação pessoal para apresentação de defesa e rol de testemunha. Mencionou a ausência de formação de comissão processante como causa de nulidade. De resto, refutou o cometimento das faltas funcionais que lhe foram imputadas, batendo-se, subsidiariamente, pela imposição de sanção menos gravosa.
É o relatório.
Consoante se verifica de fls. 2/6, a Portaria inicial data de 15/12/15, momento em que decretada a suspensão preventiva do ex-Tabelião. Em 23/2/16, é dizer setenta dias depois, o investigado protocolizou petição informando renúncia à delegação. A partir de então, já não mais havia que se falar em suspensão. A delegação estava de todo finda, por ato unilateral do próprio investigado. Em síntese, sequer o prazo de noventa dias de que trata o art. 36 da Lei 8.935/94 escoou integralmente. E ainda haveria possibilidade de prorrogação por mais trinta dias. Despiciendo, ademais, que a autoridade investigante especificasse o prazo da suspensão.
De qualquer modo, conforme constou expressamente da Portaria, o caso poderia culminar com pena de perda de delegação. Por conseguinte, à luz do art. 35, §1º, da Lei 8.935/94, a suspensão do notário não se faz por prazo determinado, mas “até a decisão final”.
Tampouco necessário que venha grafada, na Portaria inaugural, a legislação que rege a questão. À evidência, o espectro legislativo incide, permanentemente, de modo integral, notadamente pela impossibilidade de se o descumprir sob alegação de ignorância de vigência.
De outro bordo, o rito seguido nos autos, oportunizando-se ao recorrente apresentação de defesa, no dilatado prazo de quinze dias (e houve efetiva apresentação de defesa, a fls. 34/39), e realizando-se o interrogatório apenas ao final, foi-lhe mais benéfico que procedimento determinado pela Lei Estadual 10.261/68, com oportunidades mais amplas de se defender das acusações que lhe pesam.
Nem se olvide que tanto o Código de Processo Penal, quanto a Lei 8.112/90, que incide subsidiariamente à hipótese, como fez o recorrente questão de rememorar a fls. 152, igualmente dispõem que o interrogatório seja colhido ao final, depois de amealhadas as provas. Trata-se, vez mais, de aumentar as oportunidades de defesa. Por óbvio, nulidade alguma poderia daí advir.
Nesta toada, se a ideia é que o interrogatório se faça depois de colhidas as provas (e, repita-se, a medida é benéfica ao investigado), o prazo para apresentação do rol de testemunhas jamais haveria de ter início com o próprio interrogatório. Note-se que a decisão de fls. 65 foi explícita ao conceder prazo de 15 dias para que o réu arrolasse testemunhas. Não houve margem para qualquer dúvida razoável acerca do momento procedimental próprio para tanto. Note-se que se está a tratar de prazo cinco vezes maior que o tríduo mencionado pela Lei Estadual 10.261/68.
E a intimação do réu para apresentação do rol de testemunhas bem pode ser feita na pessoa de seu advogado, caso constituído nos autos. Não há qualquer exigência de intimação pessoal, uma vez que a providência a ser adotada não é daquelas que o réu haja de realizar por suas próprias mãos.
Seguindo na análise das alegadas nulidades, à luz do art. 34 da Lei 8.935/94:
“Art. 34. As penas serão impostas pelo juízo competente, independentemente da ordem de gradação, conforme a gravidade do fato.”
Na hipótese vertente, é competente para processar e julgar Notários e Registradores o MM. Juiz Corregedor Permanente respectivo consoante expressa previsão do item 20, Capítulo XXI, Tomo II, das NSCGJ. Incogitável a formação de comissão processante, que viria de encontro aos comandos retromencionados.
Pertinente a orientação do E. STJ, em hipótese idêntica:
"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO DISCIPLINAR. TITULAR DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. PERDA DA DELEGAÇÃO. JUIZ DE DIREITO COMO ÚNICA AUTORIDADE PROCESSANTE. PREVISÃO NA LEI FEDERAL 8.935/94 E NA LEI ESTADUAL 11.183/98. PARCIALIDADE DA JULGADORA NÃO VERIFICADA.
O processo administrativo disciplinar destina-se a apurar a responsabilidade de titulares dos serviços notariais e registro que tenham descumprido os deveres previstos na legislação vigente, em especial a Lei nº 8.935/94, a qual regulamenta o art. 236 da Constituição Federal.
O referido diploma, em seus arts. 28 a 36, trata dos direitos, deveres, infrações disciplinares e penalidades referentes a esses serventuários, destacando que as penas serão impostas pelo juízo competente, independentemente da ordem de gradação, conforme a gravidade do fato - art. 34.” (RE nos EDcl no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 49.893-RS (2015/0307377-4), Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 15/8/16)
Para o mesmo Norte aponta a remansosa jurisprudência desta E. Corregedoria Geral da Justiça, como se colhe de parecer do MM. Juiz Assessor Gabriel Sormani:
“Processo administrativo disciplinar contra tabelião de notas e protestos - simulação de despesas com a aquisição de material de escritório e papelaria - notas fiscais que não refletem despesas efetivas - perda de delegação - ausência de nulidades da portaria ou da perícia - ausência de cerceamento de defesa - desnecessidade de formação de comissão processante - competência do juiz corregedor permanente para instrução e julgamento - suficiência probatória quanto ao mérito - recurso improvido.” (Processo 52.273/2014, aprovado pelo DD. Corregedor Geral da Justiça, Des. Elliot Akel, DJ 30/10/14)
Trata-se de entendimento consolidado há décadas neste Altivo Órgão, como se conclui de parecer da lavra do então Juiz Assessor desta E. Corregedoria Geral da Justiça, Dr. Francisco Loureiro, hoje, Desembargador:
Não há falar, ainda, na obrigatoriedade da formação de Comissão Processante, diante do que dispõe a regra do artigo 78, inciso I, da Resolução n°. 02/76 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Inviável, finalmente, articular que a autoridade competente para a aplicação da pena demissória seria o Sr. Governador do Estado de São Paulo. Isso porque, como será amplamente demonstrado no item abaixo, a norma incidente é a Lei Federal nº 8.935/94 e a pena aplicável a perda da delegação, a ser imposta pelo Juiz corregedor Permanente (vide artigo 34 da Lei nº 8.935/94). Logo, foi o processo administrativo instaurado, instruído e decidido pela autoridade competente para tanto” (CGJSP - Processo: 001246/96, julg. 05/07/1996, aprovado pelo DD. Corregedor Geral da Justiça Dr. Marcio Martins Bonilha).
Sobremais, ato unilateral do ex-Titular, despindo-se voluntariamente da delegação, quer por aposentadoria, quer por exoneração, não haverá de o eximir de sofrer as consequências de eventual falta que tenha praticado enquanto ainda atuante. Embora a pena de perda de delegação, no caso vertente, não tenha efeito prático, poder-se-á impor ao processado sanção outra, tal como a multa, exequível mesmo depois de findo o vínculo com o poder público.
Pertinentes os ensinamentos de José Cretella Jr.:
"É engano pensar que o funcionário em disponibilidade e o aposentado estão a salvo de punições. Descoberta muito tempo depois a infração cometida "in officio" ou "propter officium", o funcionário "reverterá" simbolicamente ao serviço, responderá ao processo e sofrerá a pena de cassação de aposentadoria ou disponibilidade. Do mesmo modo o funcionário exonerado a pedido, embora nem mais o vínculo remuneratório o ligue ao Estado, poderá sofrer sanção. Neste caso a exoneração a pedido (ou dispensa) será transformada em exoneração-sanção (ou dispensa-sanção), com todas as consequências jurídicas diretas e reflexas advindas, conforme a hipótese. Nestas três hipóteses aplicam-se as regras prescricionais como se o funcionário estivesse no serviço" (Prescrição da Falta Administrativa, RT, 544/12-26).
Em igual sentido, o atual entendimento desta E. Corregedoria Geral da Justiça:
“Embora o recorrente tenha se aposentado voluntária e recentemente, no curso deste processo, pela Carteira de Previdência das Serventias Notariais e de Registro do Estado de São Paulo (fls.852) com a consequente extinção da delegação, nos termos do inciso II do artigo 39 da Lei 8245/91, os ilícitos que lhe foram imputados neste processo administrativo disciplinar, são anteriores à data da aposentação.
É cediço que no âmbito disciplinar aplicam-se subsidiariamente à Lei 8.935/94 (Lei dos Notários e dos Registradores) a Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, e a Lei Estadual 10.261/68 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo), pois o registrador e o notário são delegados do Estado, e, nesta condição, atuam como se fossem o próprio Estado a serviço dos particulares, com a finalidade de tutelar e proteger os interesses destes com relevância e reflexos para a sociedade e para o próprio Estado. Nesta linha de raciocínio, estão sujeitos aos princípios da administração e que são os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Assim sendo, se de um lado é certo que a causa da aposentadoria do recorrente foi o tempo de contribuição previdenciária, e que o ato administrativo que a concedeu não poderá ser atingido pela decisão final deste processo administrativo disciplinar, pois, não há possibilidade de cassação da aposentadoria, de outro lado, é certo que a razão (fundamento) que possibilita a continuidade deste processo administrativo disciplinar para fatos ocorridos antes do ato de aposentação, é a de evitar que simplesmente sejam apagados eventuais ilícitos cometidos, e, com isso, blindar e brindar o prestador do serviço público, que ficaria incólume de responsabilização.
Além do mais, a Lei Estadual 10.261/68 estabelece no artigo 259 "numerus clausus" as hipóteses em que o funcionário público aposentado pode sofrer punição administrativa, que se cinge à cassação da aposentadoria, e assim o faz justamente pelo fato de a aposentadoria extinguir o vínculo funcional, e por existir interesse da Administração de que as faltas de intensa gravidade praticadas possam alcançar os funcionários que já estão aposentados.
Nestas condições, é possível decretar a pena de perda da delegação do recorrente, como reconhecimento da prática de ato de natureza grave e incompatível com o exercício de uma função pública exercida pelo particular por delegação, apenas não será possível a execução da pena, porém, fica registrada a prática de infração funcional grave que configurou a perda da delegação, referente a fatos ocorridos antes da aposentadoria, quando o faltoso estava à frente do serviço público prestado em caráter particular.” (Processo 31314/2015, parecer firmado pela equipe dos MM. Juízes Assessores e acolhido pelo Eminente Desembargador Corregedor, Dr. Elliot Akel, j. 27/3/15)
Já sob comando de V. Exa., esta E. Corregedoria Geral da Justiça reafirmou o entendimento aludido, como se colhe do ilustrado parecer talhado pelo MM. Juiz Assessor, Dr. Carlos Henrique André Lisboa:
“Processo administrativo disciplinar – Oficial que se aposenta durante o procedimento – Perda do objeto – Inocorrência – Sanção que pode ser aplicada, uma vez que a falta disciplinar que se imputa ao acusado ocorreu enquanto sujeito ao poder correcional – Alegação de incapacidade civil – Afastamento – Sanção de cassação da aposentadoria que não pode ser aplicada, por analogia, a delegado de serventia extrajudicial – Oficial que reiteradamente não efetua os repasses previstos no artigo 19 da Lei Estadual 11.331/02 – Infração ao artigo 31, I, da Lei 8.935/94 – Oficial que, mesmo após solicitação da Corregedoria, não apresenta guias originais do imposto de renda retido na fonte relativo a servidores estatutários – Infração ao artigo 31, V, c.c. o artigo 30, I e III, ambos da Lei 8.935/94 – Recurso parcialmente provido para afastar a cassação de aposentadoria, com a aplicação de pena de multa.” (Processo 39.782/2016, DJ 28/4/16)
Por fim, a ocorrência de bis in idem requer seja o sindicado processado mais de uma vez pelo mesmo fato. Em se tratando de fatos diversos, ainda que todos ensejadores, per si, da pena de perda de delegação, ou mesmo que similares, mas perpetrados em momentos distintos e estanques, de todo viável o duplo processamento, o que pode ser, inclusive, recomendável.
Superadas as preliminares, cumpre adentrar à questão de fundo.
Consoante se verifica dos relatos de T.Y.I.G. (fls. 81/82):
“Trabalho no cartório desde 2009 e posso informar que no início da minha atividade o R.B. não comparecia ao trabalho. Mas recentemente ele passou a comparecer esporadicamente, para assinar termos de comparecimento e autenticidade. Ele apenas assinava esses termos, mas os atos não tinham sido praticados por ele. (...) Na época de correições, o R.B. comparecia ao cartório, sendo avisado das correições pelo Sr. V.. O Sr. V. era quem chamava o R.B. para assinar aqueles termos de autenticidade. No período em que estou no cartório, R.B. jamais cumpriu carga horária completa e nem exerceu funções de modo continuado. Todos os meses o R.B. levava para o Sr. V. o valor destinado ao recolhimento do IPESP.”
C.R.S., responsável pela escrituração dos livros de contabilidade do cartório, declarou (fls. 83/84):
“Trabalho no cartório desde agosto de 2010, época em que o R.B. já não comparecia no cartório regularmente, pois não cumpria jornada de trabalho e nem exercia continuamente as atividades de escrevente. O R.B. só comparecia quando convocado pelo Tabelião, o que ocorria esporadicamente. Por exemplo, o R.B. comparecia no fim dos meses para reembolsar o tabelião quanto ao recolhimento do IPESP. Nessas ocasiões, o R.B. também assinava o livro ponto. Quando comparecia no cartório, o R.B. também assinava termos de autenticidade, muito embora não tivesse sido ele o responsável pela execução do ato, pois apenas assinava os termos. O R.B. também comparecia por ocasião das correições. Havia no cartório folha de pagamento em relação ao R.B., sendo certo que na contabilidade do cartório eram lançados os pagamentos a ele no campo das despesas da serventia, mas não sei se R. efetivamente recebia alguma remuneração.
A.L.P.C.P., a seu turno, afirmou (85/86):
“Trabalho no cartório desde 1998, época em que o R.B. não trabalhava, pois não cumpria jornada e nem exercia das funções de escrevente. Mais recentemente ele passou a comparecer esporadicamente ao cartório, ocasiões em que assinava os livros de autenticidade, a pedido do Sr. V.. (...) Embora sem realizar os atos, o R.B. assinava os termos de autenticidade. Na época das correições também comparecia, pois era avisado pelo Sr. V..”
R.M.B. (fls. 87/88), funcionário do Cartório desde 1982, esclareceu:
“Por volta de 1991 o R.B. passou a trabalhar no cartório, ficando assim por uns dois anos. Na sequência, o R. pediu afastamento por dois anos, isso já na época da designação do Sr. V.. Depois desse afastamento, o R. não mais voltou ao trabalho. Na época, existia a notícia de que o R. iria se dedicar á empresa de algum familiar. Soube que o R. manteria vínculo estatutário mediante o pagamento do IPESP. Recordo-me que após a licença do R., a comissão que era destinada a ele já havia sido redistribuída no cartório. O B. só comparecia no cartório quando era chamado pelo Sr. V., geralmente para reembolsar o recolhimento do IPESP, no fim dos meses. Havia livro ponto pertinente ao B., o qual era assinado por ele. Também havia folha de pagamento alusiva ao B., mas ele nada recebia a título de remuneração. Mesmo assim, essas despesas eram lançadas na contabilidade do cartório. Por volta de 2011, o B. passou a assinar termos de autenticidade, a pedido do Sr. V., isso em razão da falta de tempo dos demais funcionários para realização daqueles atos, mesmo porque aqueles atos era praticados pela Dona A., que faleceu em 2011. Geralmente, quando se encerrava um livro que precisava ser encadernado, o B. era chamado para assinar o livro com os termos de autenticidade. Houve ocasião de o B. assinar de uma vez só um livro todo, mesmo sem ter participado da prática do ato. Seu V. também chamava o R.B. para comparecer na época das correições.”
Por fim, ouvido em Juízo, R.B. confirmou as narrativas pretéritas. Explicou ter se afastado do cartório para abrir empresa com o cunhado. Com o insucesso da empreitada, tentou voltar a trabalhar no cartório, mas não conseguiu.
“Depois do encerramento daquele meu afastamento eu não voltei mais a trabalhar no cartório. Minha esposa ficou doente e faleceu. Comecei a pagar o meu IPESP do próprio bolso. Eu tinha a intenção de voltar, mas isso não aconteceu. Eu não permaneci afastado por causa da doença da minha esposa, mas sim porque não me acertava com o Sr. V., o qual me pedia para esperar mais um pouco. Passei a reembolsar todo mês o valor do meu IPESP. Eu assinava o livro ponto e também a folha de pagamento, mas não recebia qualquer remuneração. Eu também comparecia no cartório nas épocas de correições, após receber telefonemas do Fernando, do Boni e também do Sr. V.. Houve um período em que o Sr. V. pediu que eu assinasse termos de reconhecimento de firma por autenticidade. Ele justificava que tinha muito serviço e que precisava de ajuda. Assinei muitos termos de reconhecimento por autenticidade. Cheguei a assinar livros inteiros, mas tudo sem ter praticado os atos. Eu assinava esses termos na confiança, sem muita conferência.” (fls. 89/90):
Dos depoimentos compilados, todos uníssonos, com versões absolutamente consentâneas, dessume-se a repulsiva prática da totalidade das infrações administrativas descritas na Portaria inaugural.
Deveras, os testemunhos revelam que o Sr. R.B., por ordem do acusado, assinava: a) livro ponto do Cartório, embora não mais exercesse regularmente suas atividades de escrevente; b) folhas de pagamento fictícias, sem que recebesse, de fato, a remuneração lá mencionada; c) livros de reconhecimento de firma por autenticidade, atos de que não havia participado. Também descortinam que o investigado fraudava o fisco, inserindo, como despesas cartorárias, o pagamento de salário ao Sr. R.B., sem jamais haver feito qualquer desembolso nesse sentido. E, por fim, evidenciam que o ex-Tabelião engendrava prática sorrateira para ludibriar os MM. Juízes Corregedores Permanentes, bem como esta E. Corregedoria Geral da Justiça, simulando que o Sr. R.B. ainda trabalhasse na Serventia, ordenando que estivesse presente quando das correições designadas.
Neste passo, é bem de ver que o óbice a que a Corregedoria, quer Permanente, quer Geral, interfira no modo de condução dos trabalhos cartorários só incide quando a opção exercida pelo Oficial está em consonância com a Lei. Mantida a eficiência dos trabalhos e não havendo qualquer violação às regras que disciplinam a matéria, não haverá a Corregedoria de se imiscuir na condução dos trabalhos da Serventia. A situação dos autos, todavia, é de todo distinta. Aqui, há flagrantes e diversas ilegalidades perpetradas pelo investigado, que vão de falsidades ideológicas a fraudes fiscais, passando por improbidade administrativa.
Caracterizadas, pois, as infrações disciplinares elencadas nos arts. 31, I, II e V, c.c. 30, V, da Lei 8.935/94.
As situações versadas são deveras grave, denotando não ter o ex-Tabelião mínima preocupação com a coisa pública, ademais de tentar ludibriar quem o correiciona. Impor-se-ia a pena de perda de delegação, não fosse o fato de já ter o processado renunciado à delegação. Resta, então, a pena de multa, aplicada de modo correto e em medida condizente com as faltas perpetradas, sem exacerbar na quantia imposta, tampouco afrouxar na reprimenda, prestando-se a servir de punição ao infrator, sem que desborde da capacidade patrimonial do investigado.
Por todo o aduzido, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento ao recurso administrativo.
Sub censura.
São Paulo, 5 de julho de 2017.
Iberê de Castro Dias Juiz Assessor da Corregedoria
CONCLUSÃO
Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo.
Publique-se.
São Paulo, 10 de julho de 2017.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça